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domingo, 17 de julho de 2011

O motivo

Uma homenagem a todos os colegas que dedicam suas vidas à educação de nossos jovens.

            - Merda!
            Era a palavra que melhor definia a vida de Nicolau naquele momento. Acabara de enfiar o pé até a canela em uma poça de lama no estacionamento da escola municipal onde leciona língua portuguesa. Quem olhasse para aquele homem de estatura mediana e ralos cabelos negros, imaginaria que ele já estava para se aposentar por causa de seu andar curvado e olhos com uma expressão sempre cansada, mas ele acabara de completar 40 anos. A aparência veio como presente por anos trabalhando no ensino público.
            Enquanto caminhava, ou melhor, arrastava-se em direção à sala dos professores, apenas para constatar que a sala de vídeo continuava inoperante, pensava em tudo que se passou desde o momento de sua aprovação no concurso público para o município. Lembrava-se do professor recém-formado em letras, e empolgadíssimo com a perspectiva de fazer a diferença, mas com os anos de descaso do poder público, baixos salários e falta de interesse da maioria dos alunos, acabou entrando no sistema que reina sobre muitos professores: o de seguir com a maré.
            - Por que ainda faço isso? – pensava enquanto dirigia-se à sala de aula – Meus pais tem uma construtora, poderia estar lá com um salário muito melhor, sem levar trabalho para casa e com as contas equilibradas.
            Aula após aula, o dedicado professor tentava passar o conteúdo para os alunos, trazia assuntos atuais para discussão e produção posterior de textos, pagava cópias de material para os alunos comprometendo ainda mais seu orçamento mensal, mas o que recebia em retorno era o descaso dos estudantes. Muito mais preocupados com a final do brasileirão, quem ganha o BBB ou qual o último sucesso rolando nos mp4 da escola. Sem falar nas piadinhas constantes:
            - Esqueceu de lavar a calça, fessor?
            Final de ano, final do último período, o professor Nicolau toma uma decisão drástica: amanhã irá pedir exoneração do cargo! Não precisa disso, 20 anos foram o bastante! Trabalhará com os pais e nunca mais olhará para a educação.
            Após assinar o ponto, começou a caminhar para o estacionamento imaginando uma maneira de entrar no carro sem sujar-se ainda mais quando uma voz chamou.
            - FESSOR! Professor Nicolau, espera!
            Ele olha para trás, e vindo correndo em sua direção estava uma de suas alunas do nono ano. “Provavelmente quer melhorar a nota!” pensou desolado, mas ao olhar melhor viu que era Rita, uma das raras estudantes interessadas nas aulas. Nicolau para e espera. A garota não diminui a velocidade, e choca-se contra o atônito professor em um abraço apertado enquanto fala numa velocidade difícil de acompanhar:
            - Fessor, aiiiiiiiiii, nem acredito! Passei, professor, passei! A prova estava a cara do senhor... a redação então; o senhor trabalhou aquele tema em sala! Parece até que adivinhou! O Senhor tem parentesco com o Harry Potter? Brincadeira, hahaha! Mas falando sério, Professor, se não fosse pelas suas aulas, não sei se conseguiria passar. Nem acredito que vou estudar no IFRN[1]! Brigada, professor.
            Rita deu um beijo no rosto de seu mestre, e saiu tão rápido quanto chegara. Nicolau ficou parado olhando a garota se afastar. Repentinamente um sorriso iluminou seu rosto marcado pelos anos de dedicação à educação. Uma lágrima desceu de seus olhos e ele lembrou o porquê de fazer tudo aquilo: Por mais que muitos não queiram nada e o governo atenda a esse pedido, ele faz o que faz por aqueles que querem e precisam disso para crescer. “fazer a minha parte, uma cabeça de cada vez!” Pensou mais animado.
            Caminhou em direção ao carro deixando para trás a aparência de cansaço e a preocupação com a poça de lama. Entrou no carro e foi direto para casa, precisava planejar suas aulas para o ano vindouro.
Fabiano Machado


[1] Instituto Técnico Federal do Rio Grande do Norte

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