- Mas já acontece há três dias!
Todos no bar olharam para a mesa onde um dos dois ocupantes levantou a voz tão abruptamente. O outro, meio sem graça, procurou dispersar a atenção das pessoas com gestos típicos indicando que o amigo já bebera demais. Quando consegue, vira-se para o companheiro e diz:
- Sua Anta! Controle-se!
- Foi mal, mas não agüento mais! – replicou, com uma expressão extremamente cansada – três dias que não durmo, viando.
- Então aproveite essa vigília. – falou Fernando, entre sério e risonho – Procure explicações lógicas para isso.
Luke acenou com a cabeça sem dizer nada. Pouco depois, terminaram sua cerveja e cada um foi para seu lado. Com as palavras de Fernando na cabeça, nosso amigo foi para casa muito a contragosto, mas não podia evitar, afinal era seu lar e tinha de retomá-lo. Comprara o apartamento de dois quartos há pouco mais de um ano e tudo transcorria sem problemas, até poucos dias atrás, quando viu o rosto pela primeira vez.
Era uma noite de domingo como outra qualquer, melancólica e arrastada, e Luke estava assistindo TV, em um estado entre o sono e a vigília, quando notou um rosto, com olhos brancos e brilhantes, olhando para ele através da janela por trás da televisão. Embora não tivesse uma expressão definida, aquela face passava uma maldade de maneira inexplicável. Desde esse encontro o rapaz ficou com medo de dormir ali.
Chegou em casa e dirigiu-se rapidamente ao seu posto de guarda nas últimas noites, o sofá, e começou a encarar seu algoz. Tinha a clara impressão que, a cada dia, o rosto ganhava mais expressividade, um rosto demoníaco de fato.
“Racionalizar”, pensou, “tenho de achar uma solução lógica... Fechar a cortina!” Riu com a ideia, tinha de resolver o problema, e não mascará-lo. Não podia ser uma pessoa, pelo menos não viva, uma vez que o apartamento está no quinto andar e o prédio não possui parapeito ou saída externa de incêndio.
“Duas opções: ou isso é paranormal ou estou ficando louco!”, e continuou, “Deve ser a primeira, o sonho não pode ser à toa.” Como não conseguia dormir em casa, e o corpo precisa de descanso mesmo contra nossa vontade, Luke começou a dormir no único lugar onde se sentia seguro: no trabalho.
Além das broncas e advertências, os sonhos também o perturbavam nesses momentos, aliás O sonho o perturbava, pois ele tinha apenas um sonho recorrente: O rosto ganhava um corpo e aqueles olhos dominavam-no. Isso o perturbava demais, deixando-o naquele estado deplorável.
Enquanto pensava nessas coisas, uma terceira opção surgiu! Olhando fixamente para o rosto desde que chegara, percebeu que o brilho dos olhos variava a intensidade em intervalos irregulares. Pela primeira vez, olhou para além do rosto, através da janela, e notou, trêmulo, que a variação ocorria quando um carro passava na rua. Começando a animar-se, achou um refletor virado para seu prédio, e juntou rapidamente as peças.
- Claro! – falou para si mesmo, a plenos pulmões – O reflexo das luzes gera o efeito de olhos brilhantes!
Uma explicação física e normal! Aproximou-se da janela e notou que o rosto parecia, de perto, um defeito no vidro, sem brilhos ou nada assustador. Começou a gargalhar furiosamente; como tinha sido idiota! A expressão do rosto certamente foi gerada pela mente cansada e impressionada pela privação de sono. Comemorou a descoberta com um copo de leite e foi dormir feliz. Amanhã providenciaria a troca de vidro. Apagou tudo e dormiu rapidamente.
Providenciaria porque a mancha já não estava mais na janela. Na quietude da madrugada, apenas os pontos de luz permaneciam lá. O rosto, com olhos opacos, dirigia-se ao quarto de Luke, com um corpo etéreo e um sorriso zombeteiro em sua expressão malévola.
Fabiano Machado
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