- Você está delirando! Anda cheirando ou fumando alguma coisa? – Disse para mim Rodrigo com uma expressão entre divertida e preocupada.
- Tenho plena convicção do que vi – respondo – Semana passada tinha um sujeito parado na frente do velho casarão olhando fixo para ele. Ele entrou na casa, vigiei a noite toda e o cara não saiu. Temos de entrar lá para investigar!
Rodrigo é um de meus amigos mais antigos, e um dos que mais me identifico, por isso marquei essa conversa no bar da esquina de nossas casas para relatar o que vi no sábado passado. Achei que ele acreditaria e me apoiaria na investigação, mas olhando agora para a expressão divertida em seu rosto, tenho certeza de que meu pensamento foi equivocado.
- Olha – falou Rodrigo de uma maneira mais séria – Crescemos escutando histórias estranhas sobre aquela casa, não sei se são verdadeiras, mas sei de uma coisa: - e se inclinou sobre a mesa, aproximando-se de mim e baixando o tom de voz. – Não quero descobrir a verdade. Se você realmente viu o que viu, é mais uma razão para NÃO entrarmos lá.
Encosto-me na cadeira e bebo o resto da minha cerveja, pensando no que vi e no que ele acabara de falar. Meu amigo se despede, deixa a parte dele da conta e fala com uma seriedade que normalmente não faz parte dele:
- Em hipótese alguma entre naquele lugar.
Enquanto olho o movimento no pequeno bar, apenas três mesas e todas com moradores da rua, penso na cena que vi na outra semana. O rapaz parecia realmente perturbado parado ali na frente. Involuntariamente viro a cabeça em direção à casa. À medida que vai anoitecendo, a atmosfera daquele lugar vai ficando mais lúgubre e o pensamento de entrar lá vai ficando mais tênue, mas do nada vem um pensamento: Claro, o problema é a noite. Entrando lá de manhã, não deve haver problema algum!
Então estava decidido, sábado pela manhã entrarei no casarão e descobrirei o que aconteceu com aquele rapaz. Vou para casa satisfeito com minha solução e durmo ansioso pelo dia.
O sábado amanhece majestoso! Nenhuma nuvem no céu e o sol brilhando com toda sua força e luz. Enquanto me preparo para minha pequena expedição, começo a lembrar do estranho sonho que tive na noite passada. Eu estava em um quarto antigo, parado na porta, quando vi um casal abraçando-se. Reconheci logo as roupas do rapaz que vi entrando no casarão, mas a mulher estava completamente nua, beijando o pescoço dele. Repentinamente, ele vira o rosto e vejo uma dor enorme, que não condizia com a cena, então voltei meu olhar para a mulher. Ela sorria para mim, mas aquele sorriso tinha algo de maléfico, que não era deste mundo. Aí vi as mãos.
Os dedos pareciam galhos retorcidos que entravam nas costas do sujeito, a figura de raízes veio à minha mente, e enquanto eu olhava para aquela cena, o rapaz virou a cabeça mais uma vez e balbuciou:
- NÃO VENH...
Acordei meio impressionado, mas agora a sensação passou. Começo a andar em direção à casa, observando a rua acordar no sábado. Pessoas indo fazer compras cedo, para evitar filas, outras indo trabalhar no comércio, e mais algumas fazendo tarefas banais, como lavar o carro e varrer a calçada, coisa que nunca entendi a utilidade. Ao passar perto da casa de Rodrigo, vejo que o carro não está lá. Deve ter ido às compras com a esposa. Melhor, suas palavras são a única coisa que me faz hesitar um pouco, e acho que se o encontrasse, ele acabaria me convencendo a não ir.
Atravesso rapidamente o que um dia já foi um jardim e fico parado em frente à porta. Estava aberta, prova de que não estava ficando louco. Solto um suspiro de alívio, esboço um sorriso e entro na casa.
A sala de estar é impressionante! Apesar dos móveis estarem cobertos por lençóis velhos e sujos, as formas demonstram que são trabalhados artesanalmente e muito caros. Como é que deixam uma fortuna dessa abandonada? Continuo explorando a sala, que tem uma lareira num dos cantos, estranho em um país como o Brasil, e muitos quadros na parede.
Os quadros devem ser da família que possuiu a casa, as histórias falam que eram muitos ricos, mas foram definhando até que o último morreu sem deixar herdeiros. Observo os rostos nos quadros, e as roupas, e é interessante como se nota a passagem no tempo através delas, mas... espere um pouco. Essa mulher... é a mesma que apareceu no meu sonho! E não é só isso, ela aparece em vários quadros, em várias épocas diferentes. Impossível, devem ser descendentes, mas a semelhança é incrível.
O sonho! O quarto deve ser aqui, lá em cima. Dirijo-me para o segundo andar, subindo pela velha escada que rangia a cada passo que dava. “Parece um conto de Poe”, penso de modo divertido, “e se fosse uma história de terror, olharia para trás e alguma coisa estaria cortando meu caminho para a saída”. Após pensar isso, sinto um arrepio na nuca e olho, meio que sem vontade, para trás e vejo-a no pé da escada.
A mulher do meu sonho, ou pesadelo, estava lá, olhando para mim com aquele sorriso malévolo, e com os braços abertos. Eu só consigo olhar para os dedos e um terror insano toma conta de mim: quero gritar, chorar, correr, socar, pular, mas não faço nada. Apenas fico parado olhando para a criatura.
Entre todos os sentimentos ocorrendo neste momento, um fala mais alto: CORRA! Volto as costas para a escada e começo a correr, não me viro, mas tenho certeza que a criatura está vindo logo atrás. À minha frente, um corredor se estende com todas as portas fechadas, com exceção de uma, e é para ela que me dirijo. Entro e fecho a porta, procuro em toda ela, mas não vejo nada que a tranque. Ando lentamente para trás, e piso em alguma coisa. Olho para baixo, e vejo horrorizado, os restos mortais do homem que vi entrando aqui. Parecia que algo tinha sugado todos os fluídos de seu corpo, e pela expressão do que um dia foi seu rosto, foi muito doloroso.
De repente, a porta abre com um estrondo e lá estava ela: Os dedos não existiam mais, eram garras longas e finas, com a terrível função que acabara de descobrir; seu rosto, belo ao pé da escada, era agora uma coisa estranha, parecida com um inseto; mas a maldade que emanava era a mesma e eu sei que, por baixo daquela careta monstruosa, ela está sorrindo. Olho para trás e não penso duas vezes: Corro em direção à janela fechada e pulo através do vidro: “antes morrer na queda do que sendo comida desse bicho”.
Mas ao atravessar o vidro, algo muito estranho acontece: Parei no ar! Nada parece se mexer, vejo o vidro começando a rachar por causa do meu peso, um caco que já vem voando em direção ao meu olho direito, mas tudo está parado no ar, inclusive eu. “Já ouvi dizer que a morte é estranha, mas isso é ridículo”, penso tentando racionalizar a situação, então começo a ouvir vozes.
Estranhamente, consigo me movimentar naquele estado de “parada temporal”, e me viro em direção ao quarto. A criatura já não estava lá, mas não é só isso, o quarto tinha aspecto de novo! Os móveis são antigos, acho que metade do século passado, mas com aparência de novos. Dois rapazes entram no quarto e começam a conversar:
- Esta noite ela vai me pegar – disse o com a aparência mais nova.
- Conversa! Por que a esposa de papai viria lhe pegar? – responde o mais velho, provavelmente seu irmão.
- Ela não é humana! Eu vi ela matando Bernadete.
- Bernadete foi embora fugida porque roubou jóias de Patrícia.
- Isso é o que ela diz – respondeu o menor – mas eu vi o que ela fez, só não sei o que fez com o corpo.
- Não fale asneiras – fala o maior – Ela apenas vem ver como você está, porque gosta de você.
- Eu tive sorte porque você e papai chegaram aqui na outra noite, mas ela não vai me pegar desprevenido, veja.
E os dois começam a andar em minha direção e abrem a janela, quer dizer, no tempo deles, porque continuo vendo o vidro e a armação fechados na minha frente. Olho para minha direita e vejo o que o garoto está mostrando para o irmão.
- Coloquei essa corda aqui hoje pela manhã, fala orgulhoso, quando ela entrar pelo quarto eu saio pela janela e me penduro nela, e ali...
O garoto aponta para um buraco na parede da casa, próximo à corda.
- Eu coloquei um facão para dar um fim nessa desgraçada! Se ela entrar hoje, será a última vez que ela ataca alguém.
Após falar isso, a imagem dos dois começa a desvanecer, e subitamente fico triste. Como a criatura ainda está aqui, seu plano deve ter dado errado... Espere! Isso, essa parada no tempo – o vidro começa a estalar, e sinto o meu corpo começando a mover-se – deve ser esse garoto tentando me ajudar, querendo vingança! Tudo começa a acontecer muito rápido, O caco entra no meu olho, a dor é alucinante, atravesso o vidro sentindo minha pele ser cortada, estico meu braço direito para o lado, e sinto a corda na palma de minha mão.
Agarro com força rezando para que aquela corda de meio século aguente meu peso. Sinto um tranco no braço e minha queda é interrompida com a batida de meu corpo contra a parede da casa. Rapidamente, seguro a corda com a mão esquerda e enfio a outra no buraco na parede e puxo o facão que lá jazia. Olho para a janela e vejo a criatura esticando suas garras em minha direção. Faço um giro rápido com o facão, ao mesmo tempo em que grito de dor e ódio, e atinjo uma de suas mãos, decepando três de seus “dedos”. A coisa solta um uivo lancinante e retorna para dentro da casa, enquanto que eu deixo o facão cair no terreno da propriedade e desço pela corda o mais rápido possível.
O sol está próximo do seu ápice quando chego extenuado ao portão do casarão. Qualquer um que me visse naquele momento, com as roupas rasgadas, sangrando e com um olho vazado, segurando um facão enferrujado melado com um sangue fétido, sairia correndo pensando ter visto um assassino em série, digno de “Sexta-feira 13”. Devo estar enlouquecendo porque esse pensamento me divertiu, entretanto as ruas estavam vazias devido ao calor intenso.
Olho novamente para a casa e penso em todos aqueles quadros. “Quantas vidas essa coisa não destruiu?” e lembro, com tristeza, do garoto que me salvou da morte certa. Tentou avisar a todos e acabou morto também. Olho para o facão: “Se ela sangra, é porque pode ser morta, e é isso que vou fazer. Vou estudar a história dessa família e vou descobrir como matar essa criatura”. Começo a caminhar em direção de casa, pensando em como e onde começar essa missão.
Fabiano Machado
Parabéns, irmão! fiquei surpresa com o que li, ótimos contos! não sabia que você tinha esse telento. Terei um irmão escritor??? Fabíola
ResponderExcluirProfessor ficou muito perfeiito! Emocionante, apesar de cansativo a leitura. Ler cansa, mas é compensador ler. Parabéns !
ResponderExcluirParabéns pela iniciativa!e quando é que coloca a continuação do texto, heim?! esse povo que gosta de ler e escrever suspense, sei não, acaba deixando @s leitores viciados...
ResponderExcluir